terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Por que algumas palavras da língua portuguesa se parecem com o árabe?

   Você já percebeu que a maioria das palavras de origem árabe começa com al? Almanaque, é apenas um exemplo de uma lista enorme: almôndega, alfândega, almofada, aldeia, alface, algema, algodão, alfaiate...
   Enorme, portanto, foi a contribuição dos árabes para o vocabulário português e espanhol durante sua permanência de sete séculos na Península Ibérica. O detalhe curioso é que esse al fixado no início das palavras era, na verdade, o artigo definido da língua árabe. Alquimia, por exemplo, queria dizer "a química". Na língua de origem, o al acompanha todo e qualquer substantivo, não importa se masculino ou feminino, singular ou plural. Além disso, vem sempre colado à palavra a que se refere - não é possível inserir entre ele e o substantivo qualquer outro vocábulo, como fazemos em nosso idioma: o teu livro, o único livro etc. Outro fato marcante é que esse artigo aparece também em palavras da língua portuguesa que não começam com al! Isso porque sua segunda letra, o "l", pode ser alterada para que seu som se harmonize com a consoante a seguir. Foi assim que ar-ruzz virou arroz e az-zayt, azeite.
   Tudo isso reforça, para quem ouve, a ideia de que o artigo faz parte da palavra. Não admira, portanto, que nossos antepassados não reconhecessem o al como vocábulo independente. Por isso, não dá para dizer que citar "o Alcorão" (de al-Quran, "o Corão") seja uma tolice tão disparatada quanto anunciar uma música com "os the Beatles".

ALGEBRA

   Vem de al-jabr, ou "a arte de reunir ossos quebrados ou deslocados"! Sua passagem da medicina para a matemática se deu com o livro Al-jabr w'al muqabalah, publicado no ano 825 pelo matemático Al Khwarizmi (cujo nome nos deu o vocábulo "algarismo"). De resto, o significado original de al-jabr ingressou também no espanhol, que chamava de algebrista o cirurgião-barbeiro especializado em remendar ossos quebrados ou luxados, como se pode ler no Dom Quixote, de Cervantes.

ARROBA

   Vem de ar-rub, a quarta parte, porque correspondia a essa fração de um quintal, outra medida antiga. A equivalência em quilos e em litros varia muito, dependendo da região e dos materiais medidos. Nos países de língua espanhola ela vale algo como 11,5 kg, enquanto no Brasil e em Portugal são 14,79 kg - mas no comércio de carne bovina o valor é arredondado para 15 kg. Como era usado o símbolo @ para representá-la, este ficou sendo, nos países ibéricos, o nome do sinal usado mundialmente nos endereços eletrônicos. (O original inglês quer dizer at, em, termo bem mais apropriado para endereços!)

ALMANAQUE

   Tem várias hipóteses para sua origem. A mais sóbria diz que vem de al-manaj, o círculo dos meses - manaj parece ser a arabização do vocábulo latino manacus, que designava o círculo do relógio solar que marca a sucessão dos meses. Combina com a finalidade primordial dos almanaques, que sempre foi a de publicar o calendário com as estações, a lunação, os eclipses etc. A outra hipótese, muito mais imaginativa, também passa pelos árabes: o vocábulo viria de al-manah - lugar onde se pára numa viagem, local onde o camelo descansa, referindo-se às 12 paradas que a Terra faria no seu trajeto ao redor do Sol, nas casas do zodíaco, e lembrando, ao mesmo tempo, o local onde os condutores de caravanas estacionavam para descansar e trocar entre si notícias, histórias curiosas e fatos pitorescos.

ÁLCOOL

   Vem de al-kohl, nome do fino e escuro pó de antimônio que as mulheres usam até hoje para maquilar os olhos. Júlio César deve tê-lo visto embelezando os olhos de Cleópatra, pois sua origem é egípcia. O vocábulo entrou em nossa língua para designar qualquer pó que, como o kohl, fosse obtido pela vaporização de um sólido. A partir do século XVII, passou naturalmente a abranger o produto da destilação do vinho.

AZAR

   Vem de az-zar, flor - significando, na verdade, dado ou jogo de dados, porque esses cubos tinham a figura de uma flor onde hoje temos o seis. Pela ligação óbvia do dado com a ideia de probabilidade, o termo passou a indicar o elemento imprevisto nos acontecimentos. Embora abrangesse tanto a boa quanto a má sorte (como no francês hasard, acaso), no português moderno indica principalmente sorte contrária. Na Espanha, porém, até hoje chama-se de azahar a flor branca da laranjeira.

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